Cleide Senhorães |
No lado oposto, o chamado entretenimento apenas conseguiu o que já se receava: continuar, e ampliar, atentados cerebrais nascidos com o original “Big Brother”. De então para cá, a quantidade e diversidade de palermices que levam os nomes de reality ou talk-shows fez-nos descer a patamares que poucos souberam antever. E é nestes extremos que, no futuro próximo, a televisão mais se aproximará da sua maior virtude e do seu maior perigo: ajudar a educar (pela qualidade de muitas séries e muitos canais temáticos) quem a saiba aproveitar; mas também ajudar a transformar simples medíocres em completos atrasados mentais, pelo tipo de mensagem que veicula, pelo discurso que difunde, pela opacidade e vazio que pode contagiar gerações. No panorama actual, nada é mais sintomático do que aquele vómito chamado “Casa dos Segredos”. Não é o único, não é o primeiro, e não será certamente o último, mas é o que está no ar… Sendo que , com o avançar da tecnologia, as operadoras e distribuidoras de TV apostam há muito num canal específico e exclusivo, que permite aos interessados (e parece que não são poucos, Deus meu…) seguir 24 horas das “aventuras” de um grupo de gente escolhida a dedo.
E o que se passa ali, como em tantos anteriores e outros que se seguirão? Nada. Aliás, peço desculpa… Passa-se que eles e elas passam quase todo o tempo vestidos pela metade, e que, aqui e ali, há no ar a perspectiva de (tchan, tchan, tchan…) sexo. Sim, podemos avançar e evoluir, que não há nada a fazer. Pode o sexo e a sua divulgação estarem hoje ao alcance de qualquer um a qualquer momento, basta pensar na Internet e nos vídeos de qualquer oferta do cabo, mas a malta não se contenta com isso. E assim tudo no conceito anda de volta do mesmo: a aparência dos candidatos escolhidos, o sorriso sempre maroto da apresentadora e a hierarquia das “notícias” sobre os acontecimentos da casa. Em vários jornais sou bombardeado com a “evolução” das vidas das Cátias, Neuzas e Solanges, mais as bocas picantes que trocaram com os Rubens, Hugos e Márcios. Mas nada fez tanto furor, pelo que vejo, do que uma qualquer cena de sexo (conceito variável) entre certa Cleide e certo Carlos (recortei do jornal, para ter aqui à minha frente e não me enganar nos nomes ou sucessão de acontecimentos…). Desta vez, o artigo em causa é uma “entrevista” com a Cleide. Ponto um: todo o programa é assente na expectativa da javardice, mas quando ele e ela “fazem o amor”, fala-se de cenas “polémicas”.
Situação idêntica só se veria se um casal que alugou um filme porno comente, indignado, que havia para ali cenas de nudez… Mas o que mais me enternece é que a Cleide nos pede que continuemos a respeitar a sua credibilidade e reputação: acresce que a menina é advogada. Elucida-nos ela que voltará à sua actividade, mas não para já… Por enquanto, vai aproveitar os trabalhos que possam surgir (que surpresa), principalmente as “presenças em discotecas”, essa nobre profissão do novo milénio. Querida Cleide, queria descansá-la, na minha qualidade de compatriota compreensivo e com idade para ser seu progenitor: não fiquei minimamente chocado com o facto de a menina ter cedido à humana tentação de fazer o amor vigiada pelo País inteiro. A sua reputação está segura comigo. Já me causa algum arrepio, confesso, um dia vir a precisar de uma advogada que fez uma pausa na carreira para ir sorrir e ser vista em qualquer discoteca. Feitios.